Bases emergenciais da Seas possibilitam a reconstrução de histórias
Sob o comando da Secretaria de Estado da Assistência Social (Seas), por meio do Departamento de Proteção Social Especial (DPSE), em parceria com outras secretarias socioassistenciais do Estado e do município, além de Organizações da Sociedade Civil, os abrigos provisórios, criados há três meses, ofereceram à população em situação de rua acolhimento, refeições – que somaram no período mais de 104 mil entre café da manhã, almoço, lanche e jantar –, kits de higiene e uma série de atividades culturais. Mais do que isso, porém, os espaços deram aos abrigados a possibilidade de recomeçar suas vidas.
Além de facilitar a emissão da segunda via de documentos perdidos, elaboração de currículos e intermediação para o mercado de trabalho, a equipe dos espaços trabalha para o retorno dos abrigados ao seu núcleo familiar, um trabalho que mobiliza assistentes sociais, psicólogos e técnicos.
A diretora do DPSE, Adriana Pellin, lembra que as bases foram criadas pelo Governo do Amazonas como medida de prevenção à Covid-19. A primeira foi a da Arena Amadeu Teixeira, no bairro Flores, depois vieram a do Centro de Educação de Tempo Integral (Ceti) Áurea Braga, no bairro Compensa, e a do Centro Estadual de Convivência da Família Miranda Leão, no bairro Alvorada. Juntas, elas realizaram mais de 500 acolhimentos no período de março a junho.
“Realizamos um trabalho que nos exigiu muito enquanto profissionais porque são pessoas que têm muitas demandas, questões pessoais complexas, que demandam ações intersetoriais, por isso a articulação com as demais secretarias de Estado, do município e entidades socioassistenciais foi importante neste trabalho”, explicou.
Reconstruindo laços – Reconstrução é a palavra que resume o contexto atual de Naice Benedito Pereira dos Santos, sua esposa Cibele e os dois filhos, uma menina de 4 e um menino de 2 anos. Morando em Muzambinho, no sul de Minas Gerais, desde o dia 10 de junho, a família hoje tem boas perspectivas.
“Trabalho numa firma que constrói calhas e posso até me tornar sócio. Tenho muitos planos, quero voltar a estudar”, comemora Naice, cuja ligação com a cidade mineira remonta à juventude, quando foi estudar na Escola Agrotécnica do interior mineiro, aos 16 anos.
Nos últimos anos, em Manaus, Naice e sua família enfrentaram uma série de problemas. O casal tinha uma casa na ocupação irregular Monte Horebe, mas teve que desocupá-la porque ela foi contestada por um grupo de traficantes que comandava a localidade. Na tentativa de manter a família unida, foram morar com um primo no bairro de Petrópolis, de onde diariamente seguia a pé para trabalhar num porto próximo à Feira da Panair, na zona sul, como carregador.
Mas o trabalho remunerava pouco (R$ 20 para descarregar 500 sacas de cimento) para tanto esforço físico. “Eu estava tão mal, meu corpo estava tão desgastado, que de 90 quilos fiquei com 68, de tão mal alimentado”, conta.
A pandemia tornou o cenário mais sombrio. A família precisou sair da casa do primo por causa de conflitos. Desempregados e sem perspectivas, todos ficaram alguns dias na rua, quando souberam que a Arena Amadeu Teixeira estava funcionando como base de acolhimento emergencial.
“Lá, fomos todos muito bem tratados. A gente teve apoio de psicólogo, médico, e a gente até comemorou o aniversário da minha filha no abrigo. Esses profissionais são uns anjos, pode escrever aí”, assinala Naice Benedito.
Trabalho de escuta – O trabalho dos técnicos da Seas e da Sejusc na Arena identificou a situação do casal, que teve suas necessidades imediatas supridas como alojamento, roupas, alimentação e documentação. “Através da escuta psicológica e psicossocial, identificamos a sua história de vida, suas angústias e perspectivas para o futuro”, disse a técnica de Valcélia Dias, ressaltando que, com a intervenção do corpo de profissionais da Arena, foi possível descobrir conflitos que os afastaram dos outros membros da família.
As escutas realizadas pelos profissionais, somadas ao atendimento psicológico, são fundamentais, inclusive, para reconstruir laços afetivos rompidos, com direito a pedido de perdão. “Nessas intervenções, o casal manifestou o desejo de retornar para a família nuclear, que mora no sul de Minas Gerais. Nesta mesma época, para nossa surpresa, a irmã do Naice descobriu que a família estava na Arena e veio procurá-los, viabilizando a compra das passagens para o retorno da família. Nós complementamos o valor de que eles precisavam para viajar, inclusive fizemos doações de roupas, calçados e etc”, informou.
Apoio e gratidão – Oriundo de Boa Vista (RR), Lucas Oliveira de Souza, de 21 anos, não se encaixa como morador em situação de rua, mas ficou cinco dias no abrigo Amadeu Teixeira, por conta do término de um relacionamento em Manaus. Ao saber de sua situação, o pai veio à sua procura; não encontrou o filho, porém deixou sua passagem paga na Rodoviária.
Ao ser informado por uma prima, via redes sociais, Lucas comunicou à equipe da assistência social na Arena sua decisão de voltar para casa, o que foi providenciado com urgência. Hoje ele já se encontra no meio familiar.
A mãe de Lucas, Silane Rodrigues Pinto, disse que agora respira aliviada, mas passou dias de tormento quando, em meio à pandemia do coronavírus, o filho avisou que havia saído da casa da namorada e não tinha onde ficar e nem dinheiro para pagar hospedagem. Silane disse que só tem a agradecer pela ajuda governamental e aos profissionais da Seas que o atenderam e providenciaram sua presença no abrigo. “Agradeço pelo apoio e gratidão que essas pessoas tiveram com o meu filho no momento em que ele mais precisou”, disse a mãe, ressaltando que Lucas está bem e está à procura de emprego.
A psicóloga da Seas, Salonice Fontes Belfort, explica a experiência obtida na Arena Amadeu Teixeira, nos últimos três meses, está sendo rica, gratificante, mas também muito pesada e intensa. Por meio da escuta qualificada que realiza com moradores em situação de rua, ela diz que são perceptíveis as dificuldades enfrentadas. Muitos deles já fizeram tratamento psiquiátrico e já passaram pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), enquanto outros são usuários de drogas e por conta disso enfrentam uma série de problemas.
“Em linhas gerais, têm uma vida muito sofrida; muitas perdas de família; filhos, mãe, pai, esposa, amigos etc”, mencionou.
Segundo Salonice, os mais novos têm histórias muito intensas relacionadas a abusos, uso de drogas, afora o histórico de vida sofrida por conta de desajustes familiares. “Normalmente a família vive na extrema pobreza, o pai já era alcoólatra, e em muitos casos a mãe também, e eles findam seguindo esse ritmo de vida”, frisou.
Além da Seas e Sejusc, as secretarias de Estado de Segurança Pública (SSP-AM) e de Educação e Desporto, Fundo de Promoção Social e Erradicação da Pobreza (FPS), órgãos municipais e Organizações da Sociedade Civil (OSCs) ajudam na realização dos trabalhos das bases emergenciais de acolhimento provisório.